Jornalista
MTB: 0032811 RJ
Crise Amorosa
Texto veiculado no site www.gruponoticia.com.br
O Cravo brigou com a Rosa;
E no mundo das flores, a história já virou piada.
Brigou por besteira, mas a briga cresceu...
Ele brigou porque ela demorou na Florereira arrumando a corola.
E aí a Rosa ficou preta.
Se falava de suas pétalas, que ficasse com uma Samambaia.
Além disso, porque ele estava sempre com aquela cara de defunto?
E ainda mais: não tinha dado para ela de presente de aniversário uns dias na estufa e nem um cruzeiro pela Amazônia, só um pacotinho de adubo.
Ela só queria ficar no seu canteiro, fazendo o raio da fotossíntese em paz. Ela não era de plástico para aguentar isso!
Reclamou do terreno: a grama do vizinho era bem mais verde, eles tinham uma jardineira (diariamente) para cuidar do quintal e mais de cem minhocas de estimação. Era praticamente o Jardim do Éden. Já o quintal da Rosa... bem, ela dividia o terreno com o Capim e as Daninhas, vizinhança fofoqueira, e tratava de alimentar duas fiéis minhoquinhas, dotes herdados de sua mãe.
E falando nisso, ela lembrou que nunca iria perdoá-lo por ter queimado sua mãe Nicotiana para consumo próprio. Esse é o perigo de brigas despretensiosas: desenterrar o passado com raiz e tudo.
E completou que se produzia para ficar bela e ele não dava a mínima. Sabia que ele vivia lendo revistas de Orquídeas desfolhadas e ficava de papo na Rua das Trepadeiras.
E ela queria tanto, tanto uma sementinha para cuidar... Mas, achava o parceiro muito irresponsável para isso. Tosou e enterrou a idéia desde o começo.
No fim, mandou que ele fosse se tratar com um duende e lhe rogou uma praga, que ofensa!
Aí o Cravo se alterou.
Porque a Rosa tinha sempre motivo extra para brigar com ele e ultimamente parecia um Cacto de tão espinhosa, podava ele em tudo.
Disse que olhava revistas de Orquídeas desfolhadas porque a Rosa já não dava mais no caule. O pistilo dele até doía com a situação.
Aliás, desde o chá de camomila que a Rosa tivera antes do afloramento, com as Marias-sem-Vergonha, suas primas, ela havia mudado: conversava muito com seus botões, levava a vida como se vivesse numa redoma, igual àquela artista de desenho, e desses tempos para cá se portava como uma Dama da Noite. Gastava todo o pólen em perfume para ficar sempre na moda e com isso deixou a família na lama. O Cravo já nem descansava mais com medo das abelhas fiscais que viriam na próxima primavera.
E se gastava todo o pólen em coisas fúteis, porque regular o regador na hora do banho dele?
No fim, o Cravo mandou-a dirigir-se ao pasto mais próximo e procurar pelas suas amigas Cogumelos que ficam exatamente no lugar onde deveriam estar.
Arranjo montado, a Rosa se exaltou.
Até porque com ela não, meu bem, com ela, ninguém pode!
Mandou-o caçar borboletas e falou alguma coisa sobre o orvalho, o carvalho, sei lá.
Depois dessa, o Cravo se enfezou e teve um ataque clorofílaco. Foi mandado para o Hospital da Calêndulas onde ficou, tomando florais do Deus Bach, Chá do Santo Daime e licor de Losna, o que o possibilitava conversar com as psicoflorapeutas Fadas Verdes.
E quando ele achou que fosse ter um tempinho longe da Rosa, ela apareceu. Não, de novo não! Aí o Cravo teve um desmaio e a Rosa pôs-se a chorar.
Mas o chorinho não convenceu. E decidiram que apesar das raízes, a vida fosse para frente.
No fim, a Rosa decidiu que faria mesmo um cruzeiro pela Amazônia. E que iria dar umas voltinhas com o Crisântemo, um antigo amigo da galerinha da Cannabis. O Cravo voltou a sorrir e encontrou a paz no seu par perfeito. Casou-se com a Canela, com quem vive feliz, até o próximo bolo de banana.
Textos Queridos
(eternamente em construção...)
A Revolta dos Eletrodomésticos
*Baseado em fatos reais
Já eram lá pelas tantas da madrugada quando a reunião começou. Estavam presentes o Chuveiro Elétrico, Aspirador de Pó, dona Cafeteira, Panela Elétrica, Aquecedor, Sr. Fogão e Sra. Geladeira, além dos convidados Secador de Cabelos e Srta. Torradeira. Seria o último encontro antes da decisão sobre a greve. Todos aderiram. Com a chegada do frio, que veio na primavera - por causa das mudanças climáticas, era o que diziam por aí - a carga de trabalho havia aumentado consideravelmente e muitos já estavam sem energia.
– Começamos amanhã! – exclamou o Aspirador. Havia sido eleito o presidente do sindicato. Não por empenho ou talento, mas porque ninguém quis assumir o cargo. Sempre presente e de forte personalidade, tornou-se a principal voz entre a classe. Um felino de pelos fartos era a sua principal e constante preocupação.
Mas todos estavam sobrecarregados naquela primavera, com uma nada usual exceção. O Aquecedor não havia sequer esticado o fio. Seu alto consumo fez com que nem um volt passasse por sua corrente durante o último mês, mas, apesar do descanso, a tensão dos dias agitados não diminuía.
– Conte comigo! - declarou o aparelho que supostamente deveria ser o mais utilizado daquela estação. E emendou: Chega de resistência! - disse bravamente para propagar o grito de guerra do grupo, ao que os outros repetiram em alto e bom som: Chega de resistência! – e o lema ecoou por toda a casa, com destaque para o tom grave do Chuveiro Elétrico, que sobressaia-se aos demais.
Ardiloso, o jovem e robusto aparelho foi o próximo a falar. Era um dos principais responsáveis pela greve e autor da primeira fase.
– O primeiro passo é fazer com que sintam um estranho cheiro no ar. Isso irá assustá-los. Não tem segredo. Tornei o esquentamento um hábito e faço com que o aroma de fio com fio seja mais forte do que as rosas do sabonete. Sucesso na certa! - seu jeito confiante fez com que todos anuíssem com a parte número um do plano.
– Tenho também uma sugestão – disse dona Cafeteira. – De tempos em tempos, normalmente em determinada época do mês em que estou mais nervosa, rancorosa - e bem pouco carinhosa - começo a dar sinais de mal funcionamento. Isso faz com que queiram me substituir. Mas é exatamente aí que volto ao normal! Confundi-los deve ser a nossa segunda meta! – disse com diabólica satisfação.
Todos estavam empolgados. O persistente Secador de Cabelos já havia apresentado mal contato e seu funcionamento estava restrito a apenas uma posição, mas nem isso havia diminuído sua rotina. A Panela Elétrica torcia pela conquista da aposentadoria após ter acidentalmente quebrado a tampa, mas o processo era muito vagaroso. Já a jovem Torradeira era de todos o pior caso. Exausta, tentara suicídio duas vezes ao arremessar-se do alto da Geladeira, mas sua falta de sucesso só fez com que mais dispendiosa se tornasse a labuta. Mesmo ferida, continuou operante, mas o pânico causado pelo estresse a deixou bipolar. Horas esquentava demais, horas quase nada.
A vida estava mais fácil para o Sr. Fogão e Sra. Geladeira. Eram eternos namorados. A rara semelhança entre eles era o principal motivo da atração. Espécimes raros, da ordem das geladeiras e fogões da cor bege-marrom - tonalidade ainda sem descrição na escala Pantone, comumente chamada de burro-quando-foge - os dois traçaram suas histórias desde a época de fundo de estoque em uma grande loja do segmento. A felicidade lhes trazia clareza e assim sugeriram a terceira fase do plano: Faíscas! O que de melhor a paixão pode proporcionar?
– Potencializem todas as suas emoções. Tudo ao mesmo tempo! No final teremos um belo e iluminado resultado! – garantiu o casal.
Após traçado o plano, era a hora da ação. Motores arfantes ou não, o raiar do dia anunciava o momento da paralização. Logo todos colocariam em prática a estratégia. Cheiro de queimado, faíscas, funcionamento sim e não. Mas eis que de repente, uma surpresa. Assim, de supetão. Na casa, quase nada ficou ligado. Nem uma luzinha, nem um clarão. O apito do nobreak era de todos o único som. Sua existência evidenciava um triunfal funcionamento eletrônico: o computador reinava acordado. Pertencente ao distinto grupo da informática, de nada sabia, nem com nada disso se importava. Preocupava-se apenas em ligar e desligar – quase nunca. E sem nenhuma força, o plano foi adiado.
Por Carolina Tollstadius Armelin